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17 de set. de 2010

O que um professor precisa saber

O que um professor precisa saber

Coluna Matemática





Zilton Luiz Macedo, livre docente da PUC, foi meu professor de microeconomia em 1975. Passados trinta e um anos, nos reencontramos. Num dos comentários que fez, citou que um professor só é bom de fato, quando consegue explicar toda a matéria pelo telefone, ou seja, sem usar a lousa, powerpoint, smartboard ou qualquer artifício visual.

Disse isso se referindo não somente aos alunos cegos mas a qualquer aluno. Um bom professor precisa chegar à mente de seus alunos pela palavra. Um leitor desavisado pode pensar que ele estaria discriminando os estudantes surdos, mas a palavra também se expressa em libras, ou pelos movimentos faciais e labiais. O fato é que um professor precisa fazê-lo abstrair. É justamente isso o que a Pedagogia estuda.

A Matemática é a abstração mais pura que existe, daí o professor precisar ter a capacidade de fazer os alunos entenderem por palavras. Um dia, pelo telefone, eu estava explicando para um garoto cego de nascença o porquê de uma senóide parecer uma cobra infinita. Disse-lhe:

- Imagine que você esteja com o indicador encostado na lateral do pneu do carro de seu pai.

- Imagine agora que você acompanhe com o dedo o movimento de rotação do pneu, à medida que o carro anda da sua esquerda para sua direita, consegue?

- Consigo.

- Seu dedo vai ficar subindo e descendo ao mesmo tempo que anda para a direita, certo?

- Certo.

- Pois este é o desenho de uma senóide.

- Entendi.

- Bem, se, quando seu dedo estiver no topo, dermos o valor de 1 e, quando ele estiver encostado no chão, dermos o valor de -1, quanto é que vai ser o valor quando seu dedo estiver na altura do eixo?

- Zero, é claro!

- Então, o seno varia entre -1 e +1, compreendeu?

- Sim.

- Imagine agora que o eixo dos X seja o eixo do carro, movendo-se linearmente da esquerda para a direita. A cobra vai ficar hora acima, hora abaixo dele, variando sempre entre +1 e -1 que corresponde ao raio da roda, entende?

- Sim.

Note-se que eu comecei pelo gráfico, que é pelo que todos os professores terminam, pois crêem que é imprescindível que o aluno tenha entendido que o seno é a projeção de um ponto da circunferência sobre o eixo dos Y. Uma projeção, para um cego, não significa coisa alguma. É justamente por isso que começo pelo fim. Para transmitir essa idéia uso uma vara de pesca imaginária com uma chumbada na ponta da linha.

- Imagine que você esteja com a vara na horizontal. A distância entre a linha e sua mão será igual ao comprimento da vara. Na medida em que você vai inclinando a vara, a distância vai diminuindo. A projeção corresponde à distância entre a linha e sua mão. Quando a vara estiver vertical, a linha e a vara vão coincidir, ou seja, a projeção é igual a 0. Isso é o cosseno. O seno é a mesma coisa, porém, trocando-se o vertical pelo horizontal, ou seja, a projeção sobre o eixo dos Y.

Com esses dois conceitos, fica fácil ensinar trigonometria para um cego. O problema é que o professor quer usar uma técnica visual, simulando sombras, e, quando o estudante não entende, põe-se a culpa na sua falta de visão, quando o problema é exclusivamente de método.

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