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23 de set. de 2010

A fotografia como mediadora subversiva na produção de conhecimento

A fotografia como mediadora subversiva na produção de conhecimento


A fotografia portanto, embora sincera e fiel, embora feita para representar o real à nossa visão, só pode ser plenamente compreendida se tivermos as referências mínimas para olhar. Aprendemos a ver imagens, assim como aprendemos a ver o mundo. Não é possível na escola delegar para as imagens o papel de mágicas desveladoras do mundo, de porta-vozes da realidade: não será apenas vendo fotos que alguém poderá entender como é um pólipo ou uma célula.


“É um engano pensar-se que o estudo da imagem enquanto processo de conhecimento poderá abdicar do signo escrito” (Kossoy, 1989). A fotografia, no ensino, pode ser uma mediadora para a produção do conhecimento, mas nem sempre por si só: a intervenção do educador, interpondo um discurso (ou sugerindo um texto), é crucial nesse processo.


Somos educados (também informalmente) ao longo da vida a ver, a produzir sentidos ao visto, e na sociedade atual, com a forte presença da comunicação de massa, e sobretudo com a penetração da mídia televisiva, com forte apelo visual, são determinados padrões – se não gerais, bastante difundidos – de ver o mundo. Covardemente inserida nessa concorrência, a escola, operando essencialmente dentro dos paradigmas científicos, é um espaço institucional que privilegia também a criação de padrões de visão de mundo, com a pretensão de criar cidadãos aptos a operar criticamente na sociedade onde estão inseridos.


É a escola, portanto, um espaço onde acontece o embate entre as diferentes percepções de mundo: a representação proposta pela ciência e aquela que se encontra no senso comum, cujos valores são produtos culturais, isto é, “códigos apreendidos social e psicologicamente, por onde circulam e fazem-se nomear as trocas dos bens simbólicos disponíveis na sociedade”, fortemente desenvolvida, firmada e difundida pela a comunicação de massas. Ao fazer a leitura da imagem se transcende o nível de decodificação primária de cores e formas que garantem o entendimento do studium: seu significado está traspassado por todo conjunto de símbolos culturais.


É importante entender a escola como um lugar de cultura híbrida, na qual o conhecimento científico é, via transposição didática, apropriado e reinterpretado, passando por vários filtros culturais e ideológicos para se transformar no conhecimento escolar – e que este só vai ganhar seu sentido final, aquele para o qual era destinado, nas elaborações que fazem os alunos. Cada uma dessas etapas, repletas de filtros ideológicos e políticos, agrega novos sentidos ao selecionar, acolher ou repudiar idéias, e não são menos importantes as escolhas feitas pelos alunos e professores que aquelas feitas por quem elabora parâmetros curriculares – apenas tem um alcance mais restrito. É preciso pensar em um currículo como espaço de construção e reconstrução de saberes, não simples transmissão, “em que as experiências possam ser experimentadas e que tenha nas possibilidades a sua política” (Amorim, 2004), de tal maneira que possa abarcar o múltiplo sem condenar o singular a uma massificação homogênea.


O discurso oficial pode ser convincente, e ter um peso mais elevado nessa negociação, pela confiança depositada no professor-detentor-de-saber, mas é a imagem fotográfica que vai se apresentar como a verdade, real em sua apresentação, dado seu caráter indicial – se algo foi fotografado, esse algo existe. Mas é somente no conjunto de representações dos alunos, em suas concepções de mundo, que esses elementos – o discurso e a imagem – podem interagir de maneira significativa. A articulação entre as diferentes concepções acontece no diálogo professor-alunos, mediado pelas imagens: um saber que se produz integrado, com chance de fazer sentido.


Não se trata, então, apenas de agregar uma “novidade” visual à aula e abrir os espaços para discussão, mas também de incorporar uma dimensão artística ao árido campo que a educação moderna, asséptica e neutra, propõe.


Bibliografia citada:


AMORIM, A.C.R- Quando as práticas de ensino são desfigurações da biologia. – in ROMANOWSKI, J.P.; MARTINS, P.L.O.; JUNQUEIRA, S.R.A. (orgs.) – Conhecimento Local e Conhecimento Universal: a aula e os campos de conhecimento – v. 3. Curitiba, Champagnat: 2004..

 
KOSSOY, B. – Fotografia e História – São Paulo, Ática: 1989.

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