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10 de set. de 2010

Um Mundo que Ignoramos


"O verdadeiro educador não aprende para ensinar, ele aprende enquanto ensina..."


Alberto Filho


Uma possibilidade? Pode ser uma solução!
Muitas vezes não conseguimos de uma forma eficiente, passar para nossos alunos a matéria que temos em mente, quer dizer, a nossa pauta didática. Dessa forma, não é novidade, quando acabamos por perder completamente o diligente trabalho, de dias e noites de estudos, compilação e finalmente de preparação, de um material, que quase sempre será ignorado em sala de aula. Se nem mesmo somos capazes de reter a atenção sempre dispersa de um grupo, desejar então que assimilem alguma coisa, pode parecer um sonho distante da realidade. Não somos responsáveis, nem temos a pretensão de moralizar ou disciplinar quem quer que seja, nem poderíamos se o quiséssemos, mas resta a frustração de não sermos capazes de exercer nosso magistério da forma idealizada em nossos primeiros devaneios vocacionais, quando sonhávamos com a possibilidade de que um dia poderíamos de fato mudar alguma coisa, por mínima que fosse.

Quando chegam em nossas mãos, muitas vezes, sem que nada saibamos a respeito de suas aspirações pessoais, ou mesmo das suas verdadeiras índoles, resta-nos cumprir as determinações que exigem o direcionamento escolar padrão. De nada adianta questionarmos se aquele modelo é ou não edificador, ou isso, ou aquilo; pois se não concordamos, centenas de outros educadores, estarão prontamente dispostos a fazerem a coisa em nosso lugar. Farão sem questionar, sem opinar, como máquinas cegas e obedientes, enfim, apenas cumprindo a carga horária necessária para justificar seus salários. Assim é com a maioria das escolas, que se tornaram apenas instituições comerciais, não educacionais. Não estão preocupados com a reforma ou construção de quem quer que seja. No final do período, cada instituição adotará seus próprios meios para fazer o aluno avançar de grau, ignorando completamente, se como seres humanos, se tornam menos ou mais disciplinados; menos ou mais conscientes de seus papéis num mundo que ainda não conhecem, que talvez nunca venham a conhecer.

Não podemos nos iludir, pois há um limite na trajetória comportamental de um ser humano, até onde podemos atuar, depois disso, a reforma da sua conduta, estará inteiramente nas mãos das vicissitudes da vida, do menor ou maior sofrimento, que ainda é a única linguagem que fala para todos no mesmo tom; uma linguagem capaz de criar em cada um deles o desejo de por si mesmo, mudar. Uma criança pode ainda ser cultivada, e um jovem poderá ainda mais, se quando criança ao menos tiver sido iniciado. Valor algum tem o heroísmo, a resignação pedagógica, se seus esforços não são recompensados com a compreensão de um aluno que se recusa a ouvi-lo.

Não podemos obrigar ninguém a assimilar e aplicar em vida, o que aprende na vivência escolar, nem devemos nos iludir achando que estamos cumprindo nosso papel de cidadãos preocupados com uma reforma, que culminará com a transformação do homem, tornando-o um ser íntegro, e consciente de que construir é melhor que destruir. Temos diante de nós um aluno, um ser humano, mas que pouco conhecemos de sua vida pessoal, dos rumos da sua família; o que no final poderá ter um efeito mais determinante sobre sua personalidade, que nossos melhores esforços em edificá-lo. Diante disso, devemos ser mais realistas e menos idealistas. Um idealista fecha os olhos para muitas realidades e por isso mesmo seus esforços são pouco eficazes, é movido a sonhos, e por isso ignora o que é real. Sua abordagem não pode construir, uma vez que lida com personagens que existem apenas em seus sonhos, seres não reais.

O realista ignora seus sonhos e sabe que tem diante de si um problema concreto. Conhece seu papel de educador e sabe das suas limitações. Tem consciência de que não tem o poder de transformar o mundo, mas pode orientar seus jovens para que possam enfrentar esse mesmo mundo, de uma maneira que lhes permitam sofrer menos; de modo que estejam mais fortalecidos, para enfrentarem os desafios que a vida certamente colocará diante de cada um deles. É seu papel dar-lhes orientação, e esta orientação poderá ou não lapidar de forma positiva parte do seu caráter. Sabe também, que não é o responsável pelo destino do seu educando, afinal não é nem pelo seu próprio; mas estará dando-lhes condições para que possam conduzi-lo de uma forma mais consciente, com maiores chances de acertos, e isso é tudo que pode ser feito pelo educador. Isso nos faz lembrar que, cada educador deve antes disciplinar a si mesmo, deve primeiro compreender seu mundo de relações com coisas e pessoas; deve estar consciente dos seus limites, do seu papel, e deve ter sua própria casa em ordem, antes de se aventurar a querer arrumar a casa alheia.

De que adianta a disciplina através de alguma forma de coação, se chegará um momento onde nossas recompensas não terão mais valor algum, para aqueles que fomos encarregados de tentar disciplinar? Precisamos compreender de uma vez por todas que, o tradicional modelo de castigo e recompensa apenas degrada o homem, cria um homem preguiçoso que não sente prazer no que faz, que vê na obtenção da vantagem sua razão de viver. Este modelo não é capaz de construir decência ou sentimento de respeito em quem quer que seja. Tire-lhe o prêmio e você não terá mais a máquina que obedece em troca de méritos.

Tentar resolver a complexidade dos problemas humanos, tornando-o um ser cada vez mais mecanizado, mais obediente porque almeja lucros, recompensas e vantagens. Isso apenas fortalece neles o sentimento, de que a solução dos seus problemas está na capacidade de consumir, no poder que proporciona a sensação de ter mais que os outros; é instigar e promover a diferença e a competição deliberada entre classes de pessoas, entre grupos sectários ou de interesses comuns. Isso acaba por transformar o inteiro sentido da vida, num simples passeio em meio a uma central de compras, onde para sermos felizes, só precisamos comprar cada vez mais e sempre.

Há alguns anos atrás, fizemos uma abordagem em sala da aula, que nos rendeu frutos maravilhosos. Resolvemos, por nossa conta e risco, sair um pouco do lugar comum, do processo linear e inflexível das técnicas didáticas tradicionais. Inicialmente não tínhamos uma idéia concreta dos resultados, pois era algo novo, algo que nunca tínhamos visto na didática escolar do ocidente. Tanto, que sequer fazia parte da pauta de matérias da nossa prática diária. Era algo informal por assim dizer; algo que sequer a direção tinha conhecimento, e começou como uma simples brincadeira no período do recreio.

A primeira abordagem foi com um grupo, de mais ou menos 20 alunos, com faixa etária entre 8 e 10 anos de idade. Tínhamos aula de pintura com esse grupo, uma vez pó semana. Num certo ponto do ano letivo, durante uma pequena discussão entre dois alunos que sentados numa mesma mesa, disputavam o mesmo potinho de tinta para colorir uma mesma árvore, questionei, porque não repartiam a tinta entre eles. Um deles, afirmou que, como pegara primeiro o pote de tinta, deveria pintar antes do outro a sua árvore; mas, ele enfatizou, depois que acabasse, o outro poderia usá-lo. Perguntei porque não poderiam molhar ao mesmo tempo seus pincéis, no mesmo potinho, que ficaria sobre a mesa, sem pertencer a preferência a nenhum deles.

Não foi fácil para eles compreenderem essa abordagem, pois a disputa pela preferência já fazia parte da conduta de cada um. Não compreendiam aquela condição de não disputa, e mesmo depois de concordarem, ainda olhavam para os pincéis um do outro, para ver quem retirava mais ou menos tinta do pote. Percebi que faziam isso de forma sempre mecânica, sem saber o que estavam fazendo, sem saber o motivo porque agiam daquele modo, sem sequer imaginarem que podiam agir de uma forma diferente; de um modo alternativo, fora do padrão que transformara suas ações em gestos mecanizados, completamente inconscientes. Os outros ainda observaram aquilo por algum tempo, e logo, outros, sem que chamássemos a atenção de nenhum deles, começaram a imitar aquele gesto. Foi até uma coisa divertida, pois ficaram contentes uns com os outros, e havia uma espécie de companheirismo diferente entre eles, um certo alívio, pois não precisavam proteger aquilo que julgavam ser suas posses, sob o risco do outro deixá-los sem nada.

Na aula seguinte fiz um desafio a eles, e lhes disse que naquele dia não iriam pintar, pelo menos não aqueles temas que a escola, ou mesmo eu, preparava para eles. Iríamos dar uma volta no pátio da escola, e simplesmente observar o mundo. Expliquei o que deveríamos fazer naquele passeio, e o motivo pelo qual faríamos aquilo. Disse-lhes que deveriam observar a maior quantidade de coisas que fossem capazes de perceber, tais como; plantas rasteiras, a terra e sua composição, as árvores, o céu, a sujeira que encontrassem pelo caminho, as pessoas, o que estas pessoas estavam fazendo, a cor de suas roupas, a coloração das plantas, do céu; e também o que sentiam quando estavam observando cada uma daquelas coisas. Pedi que levassem consigo papel e lápis, pois deveriam anotar ou desenhar alguma coisa que julgassem importante; que pudesse servir de referência caso desejassem lembrar depois com mais clareza, do ocorrido. Houve pouca resistência, assim mesmo, pela não compreensão imediata da coisa; do propósito daquela tarefa, que não chamei de tarefa, pois eles não compreendiam o significado de uma atividade escolar que não fosse considerada uma tarefa.

Expliquei que queria conhecer a capacidade de observação de cada um deles, e expliquei-lhes, depois de alguns dias, os benefícios que viriam com o desenvolvimento dessa qualidade. Paramos muitas vezes em pontos distintos do pátio, e lhes mostrei umas plantinhas muito pequenas, na fresta de uma calçada do pátio. Pedi que olhassem a coloração dos muitos verdes das pequenas folhas, as sombras, seus caules, e também o formato das folhas, e que tentassem ver nelas, alguma coisa que as pessoas normalmente nunca seriam capazes de perceber.

A reação deles foi fantástica, e logo tivemos que estender a atividade a outras turmas, pois todos conversaram sobre aquilo, e em casa passaram a ser mais observadores, mais atentos aos detalhes. A capacidade individual de cada um daquele grupo se transformou de um modo notável, já não eram mais os mesmos, eram capazes de ver o mundo com outros olhos. Depois lhes expliquei outras coisas, na verdade qualidades que todo observador precisa ter, principalmente quando vivemos num mundo onde o pensamento voltado à destruição é a prática comum. E logo que voltamos à sala, quando lhes pedi para relatarem em papel o que podiam lembrar do passeio, de uma agitação inicial onde todos discutiam entre si expondo seus pontos de vista, logo podíamos ver crianças reflexivas, de olhos atentos a tudo que ocorria à sua volta.





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