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8 de set. de 2010

SABERES DOCENTES

DA TEORIA À PRÁTICA, DA AÇÃO À REFLEXÃO

Ângela Paiva Dionísio





A relação gêneros textuais, intertextualidade e letramento

Ao processarmos um texto verbal ou pictorial, sempre recorremos a outros textos, fazendo referência, por exemplo, ao seu conteúdo, ao seu estilo, à sua forma estrutural, com os mais variados propósitos discursivos. Compactuando com Bazerman (2006) ao afirmar que “nossa originalidade e nossa habilidade como escritores advêm das novas maneiras como juntamos essas palavras para se adequarem às situações específicas, às nossas necessidades e aos nossos

propósitos específicos”, saliento a importância de se investigar como se manifesta a intertextualidade entre gêneros verbais e pictoriais em materiais didáticos de diferentes áreas de conhecimentos para o ensino fundamental e médio.

A intertextualidade, portanto, deve se configurar como um dos grandes temas de interesse dos professores de todas as disciplinas, nas situações de leitura e de escrita, em que se queira perceber como os alunos se apropriam das várias fontes de pesquisa e as transpõem para a produção de seus textos. Cabe aos professores de todas as áreas preocupar-se com a atividade de análise de intertextualidade. Com isso, amplia-se o campo de investigação das relações intertextuais, rompendo-se as fronteiras do texto literário e das paredes das salas de aula de língua portuguesa. Como assegura Bazerman (2004:84), “nós criamos os nossos textos a partir do oceano de textos anteriores que estão à nossa volta e do oceano de linguagem em que vivemos. E compreendemos os textos dos outros dentro desse mesmo oceano”.

Numa rápida consulta a alguns manuais didáticos, observamos diferentes usos do princípio da intertextualidade tanto na construção dos capítulos em si como na construção dos exercícios de verificação de aprendizagem.

Intertextualidade entre imagens

Um outro aspecto interessante quanto à intertextualidade reside no fato de esse recurso não se constituir uma particularidade do texto verbal. Arbex (2000) sugere que “nos mesmos termos que o conceito de intertextualidade, ou seja, como processo de produtividade de uma imagem que se constrói como absorção ou transformação de outras imagens”, deve-se usar o termo intericonicidade. A relação entre o texto-fonte (telas originais) e a releitura (telas produzidas por Maurício de Sousa, por exemplo) é de intericonicidade explícita, uma vez que as telas recriadas e as originais aparecem lado a lado nas diversas situações em que é apresentada a incursão do famoso quadrinista nas artes plásticas, seja na exposição que percorreu todo o Brasil, dirigida ao grande público; nas páginas do livro ou na tela do computador (CD), mídias em que foram publicadas esses novos quadros. Importante lembrar que ler com proficiência requer também imergir nas relações intertextuais.

Vaz, Mozdzenski e Silva (2004:05), em Da Obra-Prima ao Pastiche: Intertextualidade e Intericonicidade nos “Quadrões”, de Maurício de Sousa, consideram essa relação estabelecida entre as telas de Maurício de Sousa e as obras-primas uma pastichização. Pastiche é:

uma prática de imitação que se distingue da subversão paródica por seu objetivo
lúdico, mas não militante. (...) o pastichador deixa indícios do objetivo pragmático
de seu enunciado por uma indicação no paratexto ou dando um caráter
caricatural aos conteúdos ou às marcas estilísticas (Charaudeau e Mainguenau,
2004:371).

Propaganda, infográfico, gráfico, notícia, exercício escolar, tela de pintura, verbete foram alguns dos gêneros textuais que já utilizei com intertexto nesse gênero que construo: artigo científico. Há, portanto, uma variedade de gêneros que se entrecruzam e tecem um outro gênero. Todo o processo de construção exige de mim, como autora, e de você, como leitor, uma competência metagenérica, na terminologia de Koch (2006). Revelam também muitas de nossas experiências sociais mediadas por textos, ou seja, nossas práticas de letramento.

Letramento é um processo social que permeia nossas rotinas diárias (da embalagem do xampu que usamos no banho ao levantar, às caixas de cereal e de leite do café da manhã ou ao display do celular, daí os sms1 que recebemos durante todo o dia). Tudo está encravado de documentos e práticas de letramento.

Diversidade na forma de representar, diversidade de letramentos. Na realidade, multiletramento!

Neste artigo, vou brevemente tratar da visualidade de textos escritos. O discurso científico, geralmente, comporta, no interior de sua escrita, textos visuais, fórmulas matemáticas, por exemplo. Tais textos não funcionam como mera ilustração, mas sim, no mínimo, como complementos do texto verbal.

Não são raros os casos em que os textos visuais são responsáveis pela sistematização de informações não-contidas no texto escrito ou pelo menos superficialmente mencionadas no texto escrito.

Rowley-Jolivet (2002:22) salienta que o “fato de as ciências terem, ao longo dos tempos, desenvolvido seus próprios e específicos modos visuais de concepção e comunicação indica claramente a inabilidade de os modos lingüísticos sozinhos satisfazerem plenamente as necessidades cognitivas e comunicativas das ciências”. Dessa forma, letramento científico significa familiaridade com fatos e concepções científicos básicos, bem como habilidade para ler e escrever representações complexas de descobertas científicas. Na representação dessas concepções e desses fatos, a noção de contínuo da informatividade visual dos textos, de Berhardt (2004), é de extrema relevância, uma vez que gêneros visualmente informativos, como diagramas, tabelas, gráficos, desenhos anatômicos, mapas, entre outros, levam em consideração no seu processamento várias estratégias de controle retórico. Em outras palavras, pode-se falar na existência de um contínuo informativo visual dos gêneros textuais escritos, que vai do menos visualmente informativo ao mais visualmente informativo.
Lendo mais sobre o tema

Como os temas abordados neste artigo nem de longe se esgotaram, vou finalizar com uma sugestão de leituras que possibilitam, a meu ver, a continuação dessa conversa. Por onde recomeçar a conversa é uma decisão de cada leitor. Se quiser variar na língua, também é possível.

— BAZERMAN, C. Gêneros textuais, tipificação e interação. São Paulo: Cortez, 2005. — ______. Gênero, agência e escrita. São Paulo: Cortez, 2006. (a sair em agosto)

DIONÍSIO, A. P.; MACHADO, A. R.; BEZERRA M. A. (Orgs.). Gêneros textuais & ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002.

— HANDA, C. Visual rhetoric in a digital world: a critical sourcebook. New York: Bedford / ST.Martin’s, 2004.

KARWOSKI, A. M.; GAYDECZKA, B.; BRITO, K. S. (Orgs.). Gêneros textuais reflexões e ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2006.


O termo ARISTÓTELES funciona, visualmente, como identificação do autor do livro e, sintaticamente, como sujeito da estrutura lingüística “FOI DISCÍPULO DE PLATÃO, MAS NÃO CONCORDAVA COM A EXISTÊNCIA DE UM MUNDO SUPERIOR, VOLTANDO SUA ATENÇÃO PARA A REALIDADE SENSÍVEL E PARA AS CIÊNCIAS DA NATUREZA”. Há, portanto, uma progressão linear temática e visual.

Como afirma Lemke (2000:269), multiletramentos e gêneros multimodais podem ser ensinados, mas é necessário que “professores e alunos estejam plenamente conscientes da existência de tais aspectos: o que eles são, para que eles são usados, que recursos empregam, como eles podem ser integrados um ao outro, como eles são tipicamente formatados, quais seus valores e limitações”. De forma bastante incisiva, Kress e Van Leeuwen (1996:15) asseveram que em “termos de letramento visual da nova mídia, a escola produz iletrados”.

Do ponto de vista lingüístico-textual, parece-me interessante observar como a disposição gráfica interage com a progressão informacional, ou seja, como se estabelecem as relações entre os segmentos textuais. Há o aproveitamento do espaço, tradicionalmente destinado à identificação do autor, no dorso do livro, para situar o início dos enunciados que constituem o texto verbal, responsáveis pela explicitação da evolução histórica das idéias da humanidade.
— KLEIMAN, A. (Org.). Os significados do letramento. Campinas: Mercado de Letras, 2000.
— KOCH, I. V.; ELIAS, V. M. Ler e compreender. São Paulo: Contexto, 2006.
— KRESS, G.; VAN LEEUWEN, T. Reading images: the grammar of visual design. New York: Routledge, 1996.
— MARCUSCHI, L. A.; DIONISIO. A. (Orgs.). Fala e escrita. Belo Horizonte: Autêntica.
— MEURER, J. L.; BONINI, A.; MOTTA-ROTH, D. (Orgs.). Gêneros teorias, métodos, debates. São Paulo: Parábola, 2005.
— MAYER, R. Multimedia learning. Cambridge: Cambridge University Press, 2001.
— SCHNEUWLY, B.; DOLZ, J. Gêneros orais e escritos na escola. Campinas: Mercado de Letras, 2004.

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