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17 de set. de 2010

O nome da rosa.

O Nome da Rosa

Sherlock Holmes Medieval



William de Baskerville (Sean Connery em mais uma de suas marcantes interpretações, totalmente caracterizado como um monge franciscano) e Adso (vivido pelo então desconhecido Christian Slater, numa memorável presença como um noviço a acompanhar seu mestre, prática das mais comuns naqueles tempos) se esforçam para solucionar uma série de assassinatos que estão a ocorrer num mosteiro medieval localizado na Itália.

Dispondo de recursos "sofisticados" (a sequência em que William cobre seus instrumentos é extremamente significativa pois peças como o astrolábio e o quadrante que eram utilizadas pelos mouros e desconhecidas da maioria dos cristãos tem "participações especiais" e representam indicativos dos caminhos modernos adotados pelo personagem de Sean Connery) para os padrões da época, utilizando-se de uma lógica aparentada a de Sherlock Holmes muito tempo antes do nascimento do criador do imortal detetive, sir Conan Doyle e baseando suas ponderações nos princípios aristotélicos num momento em que os artífices da filosofia grega eram pouco ou totalmente desconsiderados, William de Baskerville constitui um dos grandes personagens da literatura (o filme baseou-se no romance homônimo do escritor, professor e intelectual italiano Umberto Eco) e do cinema. Constitui-se igualmente numa grande aula de história e de filosofia.


As perspectivas se abrem desde o princípio da trama pois estamos respirando os ares de um mosteiro encravado numa montanha, controlado pelos Beneditinos e que recebe a ilustre visita de visitantes franciscanos. A atmosfera sombria da localidade, o aspecto doentio de muitos dos frades que aparecem no transcorrer da história, o tom escuro de muitas das sequências (efeito propositalmente trabalhado por conta do competente diretor francês Jean-Jacques Annaud, do já comentado "Círculo de Fogo"), a rejeição a conceitos considerados avançados por parte da grande maioria dos monges que circulam no mosteiro e a presença destacada da Inquisição a partir da metade do filme nos permitem compreender um pouco do que foi a Idade Média.

Uma das maiores qualidades do filme está na reprodução de época, com a equipe de Annaud sendo assessorada pelo eminente historiador francês Jacques Le Goff, o que confere ao filme maior credibilidade no que se refere a utilização do mesmo como recurso didático. O figurino, as locações (o filme foi feito num autêntico mosteiro medieval), a ambientação, as músicas, os objetos disponibilizados e mesmo a fotografia em tons lúgubres (escuros, dando-nos uma impressão de umidade nos locais de filmagem) se tornam referências para que possamos apresentar o domínio cristão no medievo.

 
A trama central gira em torno dos referidos assassinatos descritos no início desse artigo, atribuídos pelos beneditinos a forças ocultas, a ação demoníaca que teriam dominado alguns dos jovens monges daquela casa de Deus. É interessante ressaltar que conceitos como Deus e as forças do bem confrontando-se com o diabo e o mal eram dominantes nesse período devido ao enorme poder da Igreja Católica (a grande força remanescente desde a época em que os romanos e seu grande império ruíram, ainda no longínquo século V); um dos maiores veículos de propagação dessa crença foram os trabalhos do filósofo cristão Santo Agostinho, em especial sua obra sobre a Cidade de Deus e a Cidade dos Homens.


No período em que se passa a ação, a igreja já passava por algumas dificuldades devido ao ressurgimento de cidades e de rotas de comércio, além da concessão aos leigos para frequentar as nascentes universidades (é dessa época um dos trabalhos que precedem o Renascimento Cultural e que são considerados como basilares para as transformações que se operam na transição do mundo medieval para o moderno, ou seja, a obra clássica do italiano Dante Alighieri, "A Divina Comédia"). O surgimento da Inquisição e a forma como essa instituição da igreja foi se tornando cada vez mais dura na sua perseguição aos hereges comprovam os receiospor parte da cúpula do mundo cristão.


A diferença de atitude do recém-chegado William contrasta com a atribuição a forças do além dos beneditinos e nos lança numa investigação em busca de provas, de evidências dos crimes (o que pode ser considerado como uma antecipação de posturas investigativas que passaram a ser adotadas no mundo da modernidade, quando do surgimento de correntes filosóficas e científicas apoiadas no empirismo e no racionalismo).

O confronto entre os franciscanos e os representantes da Inquisição (com destaque para o personagem Bernardo Gui, interpretado pelo premiado ator F. Murray Abraham, vencedor do Oscar de melhor ator pela sua personificação de Salieri, em "Amadeus") nos coloca novamente frente a frente com a questão do Bem e do Mal, apenas que interiorizados na instituição que se considera, por excelência, a representação terrena dos dotes celestiais e de sua mensagem de bondade. Quem triunfará?


"O Nome da Rosa" nos permite transitar por diversos temas e fases da história, nos remete inclusive aos fatores que levaram ao surgimento da Reforma do século XVI, além das já mencionadas outras possibilidades de estudo. Leva-nos a transitar pela filosofia antiga, medieval e antever a moderna. Abre perspectivas para buscar na literatura do período as fontes de compreensão dessa fase tão rica que é o período medieval. Além do que, a trama policialesca criada por Umberto Eco dá sustentação para um grande filme de suspense. Aproveitem!



Ficha Técnica
O Nome da Rosa
(The Name of the Rose)



País/Ano de produção: Fra/Ita/Ale, 1986

Duração/Gênero: 130 min., policial/suspense

Distribuição: Globo Vídeo ou Flashstar Vídeo

Direção de Jean-Jacques Annaud

Elenco: Sean Connery, F. Murray Abraham, Christian Slater.



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